João, o ensimesmado.


Ele tem boca, mas não fala. Ele tem olhos, mas não vê tudo que deveria. Ele tem pernas, anda com elas, mas acelera os passos para longe de tudo e de todos. Seus ouvidos procuram refúgio no silêncio do nada e na vastidão do todo. Ele é João, o ensimesmado. 

Suas manhãs, cinzentas como regra, são cenário para ele se esconder. Busca, no drama do seu ser, o consolo para não sucumbir à pressão do cinza mortal de tão real. João não consegue sentir nada além do medo de perder a si mesmo, pois o seu ser, aos seus olhos, é tudo que tem.

As tardes de João são diferentes, elas abandonam o cinza. O rapaz, que não se rende ao encanto da vida, coloca-se à fila da estrondosa tristeza que assola a muitos, fechando-se como uma prisão sem grades. João, o ensimesmado, ensimesma-se ainda mais.

As noites são de turva visão. Ganha-se o frio, que gela o já gélido coração do rapaz. A sensação de solidão que ele tem se eleva à potência, tornando o garoto uma fortaleza de altos muros, impossível de ser conquistada. João precisa ser conquistado, mas como? Não é impossível?

Ele dorme e dá trégua momentânea ao seu drama, mas sabe que logo haverá um novo dia, que trará um novo cinza, acompanhado de uma nova tristeza e produzindo uma nova solidão. João está preso e não consegue sair, não pede ajuda, pois não consegue falar, não grita, pois não tem forças, não chora, pois acabaram-lhe as lágrimas. Ele é João, o ensimesmado.

Como pintar os céus cinzas com cores alegres? Como produzir canção no silêncio sepulcral do sol vespertino? Como fazer brilhar as noites com suas belas luas? Estas perguntas torturam João, mas também lhe acalmam, nas raras vezes que isso acontece. Em tese, pensa o rapaz, se há a pergunta, há grandes chances de possuir uma resposta para ela. 

Disseram ao João que as respostas a estas indagações estão dentro dele. Para trás de mim, simplistas canalhas! João não tem nada dentro de si, só o vazio, seu fiel companheiro. Ele precisa de cores? Tragam-no os que as têm, eles mesmos, os pintores! Pintam esperança, pintam amor, dando cores ao coração. Pintores de vida, aqueles que nada julgam, mas agitam as águas paradas do coração sofredor de João e outros tantos. Há pintores por aí, espalhados, tirando do cenário cinza, tantos sofredores.

Tragam os músicos! Que façam o silêncio romper com canções de amor! Os músicos vêm a vida como uma grande canção de amor. Cantem, toquem para João, deem música à existência dele! Venham outros e aqueçam a noite de João! Um lençol de carinho, um abraço de atenção e um chá quente de empatia darão uma noite diferente ao ensimesmado garoto. Talvez o rapaz, fechado em si, saia, bata a poeira dos olhos gamados na escuridão e veja a esperança que ainda não morreu, pois está bem ali, longe o suficiente para ser alcançada por João, mas perto demais para ser abandonada. Ajudem João a alcançá-la.

 

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